domingo, 6 de novembro de 2011

Entrevista

Jornal O Globo - A dinâmica demográfica brasileira
Rio, 28 de julho de 2006



A dinâmica demográfica brasileira
GEORGE MARTINE e JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES

“O nível de fecundidade brasileiro é muito elevado?”
 Errado! O nível da fecundidade brasileira já é baixo. Enquanto o Brasil era um país pequeno, rural e pouco industrializado, predominavam altas taxas de fecundidade. Até 1960, as mulheres tinham, em média, mais de seis filhos. Contudo, muita coisa mudou na cultura, na economia, na sociedade e nas relações de gênero, provocando uma rápida redução da fecundidade. As mulheres brasileiras, em média, atingiram o nível de reposição (2,1 filhos) no ano de 2004.

“A população brasileira está passando por uma explosão demográfica?”
 Falso! A taxa de crescimento demográfico do país sofreu um declínio vertiginoso nas últimas décadas: estima-se uma taxa de apenas 1,3% ao ano, entre 2000-2005. O número absoluto de crianças que nasce hoje ainda é relativamente elevado, não porque as mulheres têm muitos filhos, senão porque o número de mulheres em idade reprodutiva continua elevado. Isso é produto da inércia, ou seja, da fecundidade elevada do passado e não da atual. É impossível eliminar essa inércia, pois o planejamento familiar não tem efeito retroativo às gerações anteriores.

“A população brasileira é muito jovem?”
Errado! Já faz duas décadas que a população vem envelhecendo porque, a cada ano, nascem menos crianças. O grupo de 0 a 15 anos representava 42,5% da população total em 1970, mas apenas 28% em 2005. Para o médio prazo, preocupa mais o envelhecimento da população. No atual momento, o país se encontra numa fase intermediária potencialmente favorável, chamada de “dividendo demográfico”. Nesta, o número de dependentes jovens e velhos é relativamente reduzido, se comparado com o tamanho da população em idade de trabalhar. É preciso saber aproveitar esse momento.

“A pobreza é produto da fecundidade elevada?”
Inversão da realidade! As mulheres mais pobres, aquelas com menores níveis de educação e de renda, apresentam, de fato, uma fecundidade elevada, em comparação com a classe média e rica. Entretanto, esse número elevado de filhos nas mulheres pobres é fruto da falta de informação e de acesso aos métodos modernos de regulação da fecundidade. É importante observar que as mulheres com níveis mais elevados de educação, seja nas favelas como nos bairros mais ricos, têm a mesma taxa de fecundidade.

“O Brasil precisa adotar uma política de controle populacional?”
Bobagem! Os dados de pesquisas mostram que o Brasil já caminha para taxas abaixo do nível de reposição. Por outro lado, a legislação brasileira é relativamente avançada neste terreno, embora ainda considere a interrupção voluntária da gravidez como crime. Em todo o mundo se levanta hoje a bandeira dos direitos sexuais e reprodutivos: cada pessoa decide como, quando e quantos filhos quer ter. O Estado não deve interferir nas escolhas individuais, mas deve prover informações e meios para que estas escolhas sejam feitas em igualdade de condições.

Concluindo, o quadro populacional do país é, no início do século XXI, bastante positivo. A produtividade é favorecida pelo fato de ter a população mais urbanizada, menores taxas de dependência demográficas, uma idade mediana maior, elevações nos anos médios de estudo e maior entrada de mulheres no mercado. Porém, existe uma dinâmica econômica e política que independe das condições demográficas favoráveis. Constantes erros na formulação das políticas públicas, conjugados a corrupção, desigualdade, desemprego, violência, consumo supérfluo, drogas, segregação espacial da pobreza e falta de alternativas para a mobilidade social ascendente ajudaram a gerar a atual situação explosiva.
Querer atribuir ao alto crescimento populacional os problemas sociais atuais é desvirtuar a atenção das questões mais críticas. De uma vez por todas — não existe a tal explosão populacional! Toda pessoa que nasce possui direitos inatos e inalienáveis. Cabe à economia e às políticas públicas viabilizar melhores
condições de vida e não utilizar mitos para encobrir as verdadeiras mazelas sociais do Brasil.
GEORGE MARTINE é presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) e JOSÉ EUSTÁQUIO DINIZ ALVES é coordenador da Pós-Graduação da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE.


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